O silêncio não mais existe
Os ecos do horror me perseguem onde quer que eu vá
Os trovões, antes trombetas salvadoras
Que anunciavam a vinda de água no deserto
São hoje as vozes do demônio
Que anunciam a morte por onde passam
Foram-se os soldados, as bombas, os tanques.
Ficaram o medo, a miséria, a lembrança...
O líquido negro que brota da terra
Tinge minh’alma
Aqueles que desejam possuí-lo
Tingem de rubro minha pátria
Com tinta-sangue...
No negrume de minh’alma
Restam apenas fantasmas
Que se alimentam do breu
O tremor se apossa de meu corpo
A cada ruído não esperado
A memória (quisera eu não possuí-la)
Traz a tona o horror.
Voltam a poeira, a confusão, os trovões
Volta a angústia, os corpos espalhados pelo chão
Voltam os gritos das mães que perderam seus filhos
Voltam as lágrimas dos filhos que perderam suas mães
Voltam metralhadoras, tanques, canhões
Voltam cabeças, braços e pernas
Que rolam a ermo e sem dono na confusão
Falou-se em guerra contra o tal terrorismo
E qual o terror maior que a própria guerra?
Se há no ocidente algo mais terrível que ela,
Eu oro a Alá todos os dias para que os libertem!
Falou-se em guerra santa
Qual santidade se edifica sobre o sangue de inocentes?
A fé pacifica, liberta
A guerra nos prende num abismo profundo de desgraça
Foi-se o ditador
Dizem que minha terra será reconstruída
Mas, ainda que os mais formosos palácios aqui se ergam,
Ainda que rios se desviem em nossa direção e tenhamos fartura
Ainda que o líquido negro nos traga o vil metal
Nada mais faz sentido.
Pois não se erguerão nossos mortos,
Os braços, cabeças ou pernas perdidos
Não mais se encontrarão
Ainda que as mães hoje de luto
Possam parir uma cidade inteira de rebentos
Nenhum substituirá aquele que se foi.
Ainda que paire sobre nós um eterno silêncio,
Eterna também será nossa lembrança
Pois os gritos, os trovões, o horror
São como estigmas tatuados em nossa alma
Tingida de negro
Não mais faço parte de uma pátria
Não mais faço parte de um único povo
Não me limito mais a um iraquiano
De alma bombardeada
Faço parte hoje de um corpo
Que serve de combustível
Para o chamado progresso.
Sou hoje o índio que pereceu em sua própria terra:
Perseguido, confinado, roubado, violado.
Sou hoje o negro arrebatado de sua terra:
Açoitado, acorrentado, escravizado, discriminado.
Sou hoje cidadão de Hiroshima:
Mutilado, despedaçado, por uma rosa envenenado.
Sou hoje o vietnamita:
Invadido, transfigurado, e por defender-me, caluniado.
Sou o marginalizado do terceiro mundo:
Miserável, esquecido, desfavorecido, usado e abusado.
Hoje eu e você somos um só
Sim, você: o enganado, o alienado, o soldado
Involuntariamente ou não, somos nós a lenha
Que alimenta as chamas demoníacas
Do chamado progresso.
Levamos riqueza a um único império
Por caminhos diferentes, mas ainda somos um
Daremos a eles o que querem
E não chegaremos a lugar algum.
(Carolina Amorim Teixeira)
“A tinta do estudioso é mais preciosa que o sangue do mártir”
(Maomé)
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